16.7.04
Para Uma Necessária Regeneração Cívica
Como anunciado, vou hoje abordar aqui alguns aspectos da nossa vida política relacionados com a proverbial fraca valia dos seus actuais intervenientes, alguns tidos por muito mediáticos, que acabam por traçar o nosso martirizado destino, a despeito da nossa falta de reconhecimento dos seus apregoados méritos.
Aquilo que vai dito do PSD pode, naturalmente, estender-se aos demais partidos do chamado arco parlamentar, que abarca, em Portugal, de novo, a própria extrema-esquerda política, agora até com presença conquistada no Parlamento Europeu.
Como há muito comprovámos, as designações oficiais, que deveriam corresponder a uma certa identificação doutrinária, são hoje perfeitamente inócuas, ilusórias e, só por razões históricas, aliadas ao geral receio de definir quaisquer alterações, por total desorientação filosófico-programática, no seio das diversas famílias políticas, ainda se mantêm.
Se nos concentrarmos no PSD, facilmente observamos que, de há quase duas décadas para cá, se foi acentuando o seu pendor liberal, em prejuízo da vertente social-democrática, de tal forma que esta, hoje, praticamente não tem expressão pública.
No mundo laboral, por exemplo, não se conhece, há vários anos a fio, nenhuma intervenção minimamente relevante do PSD, embora este ainda conserve uma sua estrutura específica para esse fim, que são os supostos TSD, coisa inexistente ou de total inoperância, verdadeiro cadáver adiado, que já nem procria.
Algumas preliminares e óbvias questões, entretanto, evocarei :
· Pode um Partido que ostenta a designação social-democrática ignorar de modo tão ostensivo a vertente laboral ?
· Que sector social julga o PSD que mais apoio lhe dará no futuro ?
· Falará o PSD apenas para Empresários e altos Gestores ?
· Deixará o PSD eternamente ao PS e à restante esquerda e extrema-esquerda a representação de um vasto sector laboral constituído pelos trabalhadores por conta de outrem que sustentam, quase na totalidade, a receita do IRS ?
Confiemos na eventual, ainda que remota, ressonância internética.
Outro problema, muito grave no PSD, como de resto nos outros partidos, tem que ver com os quadros políticos, intermédios e mesmo de topo, que surgiram após a fase dos Governos de Cavaco Silva. Como é de lembrar, mesmo os do seu último período de governação já deixavam muito a desejar.
Predominavam, já então, os quadros com formação dita de Gestão, de fraca preparação política, que, aliás, grandemente desprezavam, com desfastio, contando até, infelizmente nesse campo, com alguma complacência do próprio Prof. Cavaco Silva. Haviam-se esquecido de que, para poder administrar o país e aplicar reformas económicas e sociais, quando fossem capazes de as conceber, era mister entrar-se na luta política e sair-se dela vencedor, sem o que se perderia por completo essa mesma possibilidade de intervenção, logicamente aproveitada por outros, para executarem as suas políticas, contra as quais o PSD se queria e deveria bater.
A tão lamentada crise geral de vocações políticas, em particular no PSD, nos quadros entretanto emergentes, tem que ver com vários factores, alguns dos quais se tornaram consensualmente evidentes : crise de valores da sociedade actual, impunidade generalizada da incompetência ou malversação provadas, baixo nível de exigência do Sistema de Ensino – Público e Privado –, que prepara mal os jovens e nos custa avultado dinheiro, exaurindo os parcos recursos do país.
A estes factores acrescem os efeitos resultantes da deserção das figuras mais proeminentes do Partido, demasiado acomodadas, em geral colocadas em cargos opiparamente remunerados, sem qualquer enquadramento com o nível de desenvolvimento do país e do poder aquisitivo da sua classe média.
Com a saída deste pessoal político, para prebendadas funções, supostamente despolitizadas, o edifício político abriu inevitavelmente brechas profundas.
Assinale-se, todavia, que as tão propaladas competências de gestão da maioria destas figuras retirantes só vieram a ser socialmente sancionadas após as suas passagens pelos Gabinetes Ministeriais, não se lhes conhecendo anteriormente provas dessas excelsas virtudes, que depois se tornou hábito atribuir-se-lhes, salvo evidentemente alguns casos de excepção que sempre se verificam.
Por aquelas grossas brechas do edifício político, do PSD como dos outros principais partidos, entrou apressadamente uma enxúndia de oportunistas ávidos de protagonismo e notoriedade, na esperança de que, por essa via, lhes fosse aberto caminho às almejadas sinecuras sobrantes, facto que, em maior ou menor escala, veio efectivamente a ocorrer.
Assistimos, assim, a surpreendentes casos de êxito político, de pessoas que nunca tiveram uma actividade profissional fora do ambiente político-partidário em que cresceram, muitas delas esgotando a sua airada carreira antes de completarem os escassos 30 anos. Aquilo que deveria ser absoluta excepção, sempre admissível para premiar casos de invulgar talento revelado, acabou por tornar-se frequente e encarado como facto normal.
Desta prolífica sucessão de normalidades, o panorama está agora patente aos nossos estupefactos olhos. Perante ele, o que se nos oferece fazer ?
Cabe, em primeiro lugar, aos que detêm o culto da dignidade, consciência do valor próprio, inventividade, lucidez política, influência e prestígio, na esfera intelectual, política e social, a iniciativa da busca de um caminho de regeneração, antes de se recolherem ao seu edulcorado Vale de Lobos a cultivarem o seu filosófico jardim.
Se esses cidadãos, por qualquer cómoda razão ou conveniente pretexto, relutarem em assumir a sua responsabilidade cívica não devem depois carpir-se do rumo nocivo do nosso comum caminho como comunidade histórica, cujo futuro – desgraçadamente – tanta acumulação de incompetência e venalidade tem vindo perigosamente a comprometer.
Lisboa, 16 de Julho de 2004
António Viriato
Aquilo que vai dito do PSD pode, naturalmente, estender-se aos demais partidos do chamado arco parlamentar, que abarca, em Portugal, de novo, a própria extrema-esquerda política, agora até com presença conquistada no Parlamento Europeu.
Como há muito comprovámos, as designações oficiais, que deveriam corresponder a uma certa identificação doutrinária, são hoje perfeitamente inócuas, ilusórias e, só por razões históricas, aliadas ao geral receio de definir quaisquer alterações, por total desorientação filosófico-programática, no seio das diversas famílias políticas, ainda se mantêm.
Se nos concentrarmos no PSD, facilmente observamos que, de há quase duas décadas para cá, se foi acentuando o seu pendor liberal, em prejuízo da vertente social-democrática, de tal forma que esta, hoje, praticamente não tem expressão pública.
No mundo laboral, por exemplo, não se conhece, há vários anos a fio, nenhuma intervenção minimamente relevante do PSD, embora este ainda conserve uma sua estrutura específica para esse fim, que são os supostos TSD, coisa inexistente ou de total inoperância, verdadeiro cadáver adiado, que já nem procria.
Algumas preliminares e óbvias questões, entretanto, evocarei :
· Pode um Partido que ostenta a designação social-democrática ignorar de modo tão ostensivo a vertente laboral ?
· Que sector social julga o PSD que mais apoio lhe dará no futuro ?
· Falará o PSD apenas para Empresários e altos Gestores ?
· Deixará o PSD eternamente ao PS e à restante esquerda e extrema-esquerda a representação de um vasto sector laboral constituído pelos trabalhadores por conta de outrem que sustentam, quase na totalidade, a receita do IRS ?
Confiemos na eventual, ainda que remota, ressonância internética.
Outro problema, muito grave no PSD, como de resto nos outros partidos, tem que ver com os quadros políticos, intermédios e mesmo de topo, que surgiram após a fase dos Governos de Cavaco Silva. Como é de lembrar, mesmo os do seu último período de governação já deixavam muito a desejar.
Predominavam, já então, os quadros com formação dita de Gestão, de fraca preparação política, que, aliás, grandemente desprezavam, com desfastio, contando até, infelizmente nesse campo, com alguma complacência do próprio Prof. Cavaco Silva. Haviam-se esquecido de que, para poder administrar o país e aplicar reformas económicas e sociais, quando fossem capazes de as conceber, era mister entrar-se na luta política e sair-se dela vencedor, sem o que se perderia por completo essa mesma possibilidade de intervenção, logicamente aproveitada por outros, para executarem as suas políticas, contra as quais o PSD se queria e deveria bater.
A tão lamentada crise geral de vocações políticas, em particular no PSD, nos quadros entretanto emergentes, tem que ver com vários factores, alguns dos quais se tornaram consensualmente evidentes : crise de valores da sociedade actual, impunidade generalizada da incompetência ou malversação provadas, baixo nível de exigência do Sistema de Ensino – Público e Privado –, que prepara mal os jovens e nos custa avultado dinheiro, exaurindo os parcos recursos do país.
A estes factores acrescem os efeitos resultantes da deserção das figuras mais proeminentes do Partido, demasiado acomodadas, em geral colocadas em cargos opiparamente remunerados, sem qualquer enquadramento com o nível de desenvolvimento do país e do poder aquisitivo da sua classe média.
Com a saída deste pessoal político, para prebendadas funções, supostamente despolitizadas, o edifício político abriu inevitavelmente brechas profundas.
Assinale-se, todavia, que as tão propaladas competências de gestão da maioria destas figuras retirantes só vieram a ser socialmente sancionadas após as suas passagens pelos Gabinetes Ministeriais, não se lhes conhecendo anteriormente provas dessas excelsas virtudes, que depois se tornou hábito atribuir-se-lhes, salvo evidentemente alguns casos de excepção que sempre se verificam.
Por aquelas grossas brechas do edifício político, do PSD como dos outros principais partidos, entrou apressadamente uma enxúndia de oportunistas ávidos de protagonismo e notoriedade, na esperança de que, por essa via, lhes fosse aberto caminho às almejadas sinecuras sobrantes, facto que, em maior ou menor escala, veio efectivamente a ocorrer.
Assistimos, assim, a surpreendentes casos de êxito político, de pessoas que nunca tiveram uma actividade profissional fora do ambiente político-partidário em que cresceram, muitas delas esgotando a sua airada carreira antes de completarem os escassos 30 anos. Aquilo que deveria ser absoluta excepção, sempre admissível para premiar casos de invulgar talento revelado, acabou por tornar-se frequente e encarado como facto normal.
Desta prolífica sucessão de normalidades, o panorama está agora patente aos nossos estupefactos olhos. Perante ele, o que se nos oferece fazer ?
Cabe, em primeiro lugar, aos que detêm o culto da dignidade, consciência do valor próprio, inventividade, lucidez política, influência e prestígio, na esfera intelectual, política e social, a iniciativa da busca de um caminho de regeneração, antes de se recolherem ao seu edulcorado Vale de Lobos a cultivarem o seu filosófico jardim.
Se esses cidadãos, por qualquer cómoda razão ou conveniente pretexto, relutarem em assumir a sua responsabilidade cívica não devem depois carpir-se do rumo nocivo do nosso comum caminho como comunidade histórica, cujo futuro – desgraçadamente – tanta acumulação de incompetência e venalidade tem vindo perigosamente a comprometer.
Lisboa, 16 de Julho de 2004
António Viriato
Comments:
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caro amigo, deste nosso lado, também enfrentamos graves problemas. aqui no Rio de Janeiro temos um governo, da senhora Rosinha e de seu marido Garotinho que é simplesmente lamentável. a nível federal , o goveno Lula é aquilo que vc jä sabe.vou tirar uns dias de folga e prometo resolver o problema dos comentários do Bblog. grande abraço para vc. Carlos ( basilides)
Meu amigo , como já falado pelo amigo Carlos do Basilides, do outro lado do Atlântico sofremos aqui no Brasil e principalmente no Rio de Janeiro, problemas sérios tanto na esfera federal , quanto estadual e principalmente municipal, nosso ´município do Rio de Janeiro também sofre com falta de compromisso do governo com o social. Agora então com campanha eleitoral para as eleições âmbito municipal podemos assistir um rosário de acusações, de questionamentos e cobranças que são muito exequíveis e belos no papel, mas que nem o governo atual que tenta re-eleição e que cobra de outros candidatos o fez , embora o tenha prometido; há uma falta de vontade política de por em prática tudo que prometem até estarem no cargo. A crise governista, parece-me estar globalizada. Um abraço da Semeadora ( www.trigal.blogger.com.br )
Caro António,
Ainda hoje estive pensando nesses assuntos, teremos que votar brevemente. Eu não me sinto entusiasmada a votar, muito menos preparada para tal. Seria preciso conhecer o íntimo dos candidatos, é difícil saber a intenção verdadeira de cada um. O pior é que eu procuro escolher o melhor possível, dentro do que me é dado saber, mas pode ser que eu me engane, pode ser que muitos se enganem, e eu pergunto: Que fazer então? Pode ser muito bonito, mas votar me assusta! Tomara que acertemos... ABRAÇOS. Bisbilhoteira. (www.bisbilhotices.blogger.com.br).
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Ainda hoje estive pensando nesses assuntos, teremos que votar brevemente. Eu não me sinto entusiasmada a votar, muito menos preparada para tal. Seria preciso conhecer o íntimo dos candidatos, é difícil saber a intenção verdadeira de cada um. O pior é que eu procuro escolher o melhor possível, dentro do que me é dado saber, mas pode ser que eu me engane, pode ser que muitos se enganem, e eu pergunto: Que fazer então? Pode ser muito bonito, mas votar me assusta! Tomara que acertemos... ABRAÇOS. Bisbilhoteira. (www.bisbilhotices.blogger.com.br).
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